Amor primeiro
Se bem me lembro, tudo terá começado[1] por volta dos meus quentes doze ou treze Verões…
Se bem me lembro, tudo terá começado num comboio oriundo do Barreiro, quando regressava de férias… umas férias solitariamente desfrutadas na companhia de meus pais entre a límpida linha do meu azul horizonte e o poluído azul do horizonte da Linha[2]… Parede… Carcavelos… Cascais[3]… vagos portos do meu infantil-mar, cujo quartel geral se situava algures numa velha casa de aspeto ruinoso situada no Alto de S. João, mais precisamente na Quinta dos Peixinhos (a casa dos meus tios!) -quando meus pais encontram uns amigos de sua infância. Os pais do meu, então, inocente, Primeiro Amor…
As remotas referências que agora poderão aflorar pecariam por intemporalidade… parte delas perderam-se no seio do Diário I -um pequeno bloco de notas por mim próprio mal encadernado, que morreria às mãos da minha vergonha (queimara-o por considerar não possuir grande valor literário). Adorava-o por ser o meu primeiro Diário… e só mais tarde descobri que, afinal, quem ficara mais pobre fora eu…
(Diário)
«Encontrei-te naquele distante-comboio-de-infância; recordas?
O teu cabelo curto, coberto por um boné de pala, a roupa diferente do habitual, transformava-te no companheiro de brincadeira ideal.
-Dominó, ganhei! -gritavas saboreando exuberantemente o doce prazer da vitória; e explicavas modestamente: -para se ganhar é preciso juntar as frutas certas, não esquecendo as repetidas…
-Meninos! -gritava a minha mãe; não, creio que era a tua -sentada do banco do fundo da carruagem -portem-se bem!
Eis que mais uma gargalhada surgia. Tínhamos acabado de efetuar uma travessura ao velhote que seguia no banco à nossa frente dormindo como uma pedra.
Essa foi talvez a mais bela viagem da minha vida. Porquê?!… Porque era criança e essencialmente porque tu lá estavas!»
Foi com este olhar juvenil que então vira o primeiro encontro.
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Autor: Carlos Silva
Data: Desconhecida
Imagem: Internet
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