0127. Deus -sou Eu
Deus?!
Sou Eu!
Sim, Eu!…
Num determinado momento da minha vida que já não consigo precisar, o intelecto permitiu-me “reparar”[1] que o ser com quem diariamente falava e a quem chamava deus: era, afinal, eu próprio!
Foi precisamente nessa altura que acabaria por assimilar que a minha consciência de deus é precisamente a mesma que eu, ser humano, tenho de mim próprio!
Tal significa logicamente que o meu-deus, ou o conceito que dele tenho, é precisamente o mesmo que o da imagem abstrata que obviamente morrerá quando eu morrer; tal como morrerão todos os deuses de todos os seres humanos, sejam eles crentes ou não!
“O pior cego é aquele que não quer ver…”
É um facto que a maioria das pessoas não aceita… não quer ver a realidade que vê. Algumas não admitem não ver… e a maioria não consegue realmente ver. São as que “vêm e não reparam” porque cegaram.
O intuito destas duras palavras, que decerto incomodarão algumas mentes mais dormentes, não é desrespeitar; não é ferir nem ridicularizar pessoas ou crenças com as quais se identificam. Muito menos tentar convencer alguém!
O intuito destas palavras é apenas expressar livremente a minha opinião.
O intuito destas palavras é apenas expressar livremente a minha opinião, que vale o que vale; ou seja, o mesmo que as demais; sejam elas convergentes ou divergentes. Todas são suscetíveis de crítica!
É uma mera opinião sobre o que considero completamente despropositado e intolerável na sociedade atual: a Religião -eventualmente a maior mentira da humanidade que, “por mil vezes repetida”, se transformou na maior verdade adquirida.
Tivera eu proferido estas palavras há 500 anos atrás e no dia seguinte decerto estaria atado a um poste para ser queimado vivo em plena praça pública!
Não tenho a menor dúvida!
José Saramago, escritor marcadamente ateísta, foi “crucificado” e “queimado” simplesmente por dizer publicamente que “não acreditava em nenhum deus nem em mundos imaginários, como o céu e o inferno…”.
A forma incisiva como o fez, acabaria por colocar a nu algumas das mais aberrantes barbaridades da religião, nomeadamente nas obras ‘O Evangelho Segundo Jesus Cristo’ e ‘Ensaio sobre a Cegueira’, gerando um autêntico mar de críticas, que em abono da verdade, mais pareciam inocentes e incoerentes tempestades de verão lideradas por pastores e virgens ofendidas a caminho do céu.
A sua longa experiência de vida permitiu-lhe prematuramente alcançar que esse “deus não precisa do homem para nada, exceto para ser deus”[2]. Mais do que destacar a frase, importa salientar a sua extraordinária genialidade e lucidez de raciocínio.
“Que me perdoe” quem lê, mas também me apetece repetir:
“Se puderem ver, reparem!”
Sentir, sinta quem sente!
Pensar, pense quem quiser!
Continuar a ler… siga quem gostar… ou não…
Faz algum sentido (e cito novamente Saramago), que “antes da criação do universo, deus não tenha feito nada, e um dia, não se sabe bem porquê, decida criar o universo. Segundo a Bíblia, fez o universo em seis dias. Seis dias só! Descansou ao sétimo dia… e até hoje nunca mais fez nada. Isto faz algum sentido?”
Faz algum sentido que exista um deus invisível, criado à imagem humana, que viveu na terra e mora no céu… (que céu?) que tudo sabe e vigia… que criou uma lista de mandamentos completamente ancestrais que exige que se sigam na atualidade, e simultaneamente ameaça quem não os cumprir?
Faz algum sentido que exista na realidade um deus invisível que ama se for seguido e odeia ou mata se for recusado? Um ser autoritário que além de amor, adoração e dedicação incondicional, precisa constantemente de dinheiro, de muito muito dinheiro!… -esse vil metal a que o líder máximo[5] invocou como “fonte de pecado”?
Não faz sentido!…
Não só não faz sentido, como desperta em qualquer mente minimamente pensante um mar de interrogações…
Não é fácil a qualquer ser humano aceitar esta realidade!
Não é fácil recusar ou refutar o ideal do divino, porque implica, desde logo punição, negação de expectativas de perfeição e imortalidade!
Não é fácil reduzir a vida a simples partículas de matéria… -poucos são os que aceitarão esta realidade. Poucos são os que aceitarão o fim.
Não é fácil aceitar o falecimento absoluto do ser… do Eu.
Não é fácil aceitar o falecimento do corpo, da mente (também ela um órgão) e sobretudo da “alma”, porque também a sua casa morre!
Não é fácil!
Eu diria que é dramático para todos os seres. Crentes e não crentes.
A natureza, alheia a todas estas questões, é obviamente implacável com todos os seus seres… humanos e não humanos.
Dá-lhes vida…
Alimenta-os, alimenta os seus sonhos e desejos…
Ajuda-os a reproduzir…
Ajuda-os a viver e a sobreviver…
Mas…
Não os ouve!
Não os vê!
Não os distingue!
Não os compreende!
E mata-os!
É, pois, no mínimo incoerente, procurar encontrar um “espírito divino” fora da natureza humana!
É perfeitamente compreensível que por todo o planeta existam as mais diversas formas, teorias e explicações para todo o tipo de crenças…
Já não o será, a criação humana de “deuses” para serem e representarem o que não é, ou para explicar o que não sabe ou não consegue saber… é um perfeito absurdo!
Não se trata de reduzir a crença a um mero conceito antropológico; trata-se de raciocinar, de reparar, de perguntar… e sobretudo aceitar a realidade seja ela qual for… nua e crua!
A humanidade terá tido origem num processo perfeitamente natural (tal pode-se constatar através das ossadas dos nossos antepassados… de todos os fósseis descobertos…).
A cultura foi-se enraizando em cada tribo… as sociedades foram evoluindo moldadas pelo ambiente, pela necessidade de sobrevivência, dando origem às mais diversas civilizações nas mais diversas regiões do planeta…
Muitas destas civilizações extinguiram-se, algumas chegaram aos nossos dias com as suas normas, as suas tradições, os seus usos e costumes adaptados à realidade atual. A própria religião é uma dessas evidências culturais, que marcou e ainda continua a marcar catastroficamente toda a história da humanidade, tal a forma viral como se propagou praticamente por todo o planeta sobretudo nos dois últimos milénios.
Para que possamos entender qualquer crença, temos previamente que “reparar” que a consciência que temos de qualquer divindade é a mesma que temos de nós próprios. Todas as crenças não são mais do que o reflexo material e imaterial do mundo interior do ser humano…
O exteriorizar de medos e desejos vitais e elementares…
O exteriorizar de aspirações que não consegue realizar ou materializar como consequência da sua limitação…
A ânsia de saber ou de não poder saber tudo…
A ânsia de poder, de dominar, do que não tem ou não consegue alcançar…
O medo do ser mortal e consequentemente limitado no tempo… que lhe foge.
A criação, a adoração, a projeção, a relação com o ser divino, ou com a sua imagem… é precisamente a mesma que temos com os nossos semelhantes!
Os seus “mandamentos divinos” não são mais do que as regras de conduta humana elaboradas por humanos em nome da liberdade e da justiça social… da moral e do respeito que têm que ter para com os demais para que socialmente possam coexistir… hoje consideravelmente melhoradas em algumas democráticas “constituições”.
É inevitável que um dia todos “reparemos” um pouco melhor nesta realidade.
Tal como um dia disse o nosso Fernando Pessoa…
Que todos possamos “ouvir o olhar” e com esse “olhar adivinhar os sentimentos”!
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Autor: Carlos Silva
Data: 2020-01-01
Imagem: Internet
Obs: Direitos reservados.
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[1] “Reparar” (Saramago). Retirou-me a venda… capacitou-me a visão… conferiu-me a perceção.
[2] Saramago
[3] Idem, anterior
[4] Idem, anterior
[5] Papa
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