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0221. "Gajos cobardes"



Tem sido amplamente divulgado na comunicação social um vídeo onde aparece o Primeiro-Ministro de Portugal a chamar… "cobardes a uns gajos (médicos) que se recusaram a fazer o que lhes competia depois do presidente da ARS Alentejo os ter mandado para lá” (para o Lar de Reguengos onde havia um surto de Covid-19).

Como é óbvio o vídeo tem desencadeado um autêntico “coro” de críticas e insultos ao Primeiro-Ministro… aos médicos… e ao jornal que o entrevistou.

Observando alguns dos inúmeros artigos publicados…

Alguns defendem o ponto de vista dos médicos e criticam as palavras “impróprias de um Primeiro-Ministro” …

Outros defendem as suas palavras e criticam a atitude dos médicos… e saltam-me à vista alguns comentários nas redes sociais…

 

ü  “Os gajos não foram lá porque tiveram medo de apanhar o Covid!… que mal tem tratar os médicos por “gajos”? Não estava a insultá-los, mas sim a chamar-lhes o que tinha que chamar, da forma como todos nós dizemos quando alguém não faz o que lhe compete: “cobardes”!

 

ü  “O António Costa tem toda a razão. Não teve medo do lobby dos médicos. Qualquer médico, para o ser, jura solenemente que…

"A Saúde do meu Doente será a minha primeira preocupação."

"Guardarei respeito absoluto pela Vida Humana desde o seu início, mesmo sob ameaça e não farei uso dos meus conhecimentos Médicos contra as leis da Humanidade."

 

ü  “Concordo em absoluto com o adjetivo empregue pelo António Costa: os médicos (que não foram prestar auxílio) foram efetivamente uns “cobardes”!

Teve-os no sítio, chamou “os bois pelo nome”.

Quais falsas virgens ofendidas!

 

ü  “Nenhum médico pode recusar-se a ir a um lar prestar auxílio ou a quem dele necessita!”

 

Pós vídeo…

Seguiu-se uma caricata “nota de esclarecimento” do jornal a lamentar e manifestar “repúdio” pela divulgação:

“Não é o original!...” -assim como quem sacode a água do capote depois de completamente encharcado. “Original” ou não… “off record” ou não… com caça às bruxas, ou não, para apurar responsabilidades… agora pouco importa! O suposto erro já estava cometido: tentar ocultar aquilo que realmente teria que ser divulgado (como foi!) e que era realmente notícia…

As palavras do Primeiro-Ministro referindo que uns “gajos cobardes (médicos) se recusaram a fazer o que lhes competia (prestar cuidados de saúde num Lar após se terem verificado alguns casos positivos de Covid-19) depois do presidente da ARS os ter mandado para lá!

Esta era a notícia!

Após a tempestade que durou vários dias, seguiu-se uma espécie de cimeira de entendimento e apaziguamento de todo o mal-estar que as tais palavras tinham desencadeado em toda a classe médica que, a bem da verdade, seja dito, os verdadeiros heróis (além de todos os clínicos e assistentes que os apoiam) desta inusitada batalha Covid-19.

Sobre este facto ninguém terá a menor dúvida.

Um pacto de paz que duraria apenas alguns momentos com direito a declarações à comunicação social de ambas as partes, que a bem do interesse nacional tudo tinha sido convenientemente esclarecido.

Sobre o Inquérito da Ordem dos Médicos ao Lar de Reguengos de Monsaraz, o Presidente do Conselho Diretivo da ARS do Alentejo, Dr. José Robalo, terá assumido a responsabilidade pelas deficiências encontradas pela Comissão de Inquérito. Era impossível contestar as péssimas condições do Lar de Reguengos, o que de certa forma impulsionaria a disseminação da doença na sua fase inicial e posteriormente na mais crítica… o que, consequentemente, não permitiria e garantiria que doentes, profissionais e voluntários pudessem viver e trabalhar num ambiente minimamente seguro…

Além de apontar as deficiências do Lar, refere também o Inquérito da Ordem dos Médicos, que…

(cito)

(…)

“Nesta medida, o Primeiro-Ministro, ao afirmar que a responsabilidade pelo que aconteceu no Lar da FMIVPS foi dos médicos, errou por ter falado no plural (os médicos). Na verdade, o que o Primeiro-Ministro queria dizer é que a responsabilidade foi do médico, o médico Dr. José Robalo, Presidente do Conselho Diretivo da ARS do Alentejo.”

“O Dr. José Robalo, violando a lei em vigor, as regras éticas e deontológicas e os direitos humanos, ameaçou com processos disciplinares (como o próprio admitiu publicamente e na pronúncia por ele realizada) os médicos do SNS para que fossem prestar cuidados de saúde em permanência no setor privado (Lar e pavilhão), admitindo que os idosos com a doença COVID-19 necessitavam de vigilância médica permanente (24 horas).”

“É incompreensível a postura do médico Dr. José Robalo, Presidente da ARS do Alentejo, desconhecendo que, se os doentes com COVID-19 necessitavam de vigilância médica permanente, deveriam então ter sido internados num hospital onde teriam acesso aos necessários cuidados médicos diferenciados e às condições essenciais para poderem ser tratados de acordo com as boas práticas médicas e as normas definidas pela DGS. Um erro grave que pode ter tido consequências irreversíveis na morbilidade e mortalidade dos doentes.”

“Os médicos, contrariamente ao que foi afirmado pelo Senhor Primeiro-Ministro, não se recusaram ao cumprimento de quaisquer deveres, laborais ou deontológicos, antes os honraram. Os médicos não deixaram de chamar de forma veemente a atenção para a falta de condições do Lar e do Pavilhão e os vários atropelos existentes, defendendo claramente os doentes. Afirmar que os médicos não cumpriram o seu dever de assistência é, pois, calunioso e revela uma clara tentativa de escamotear a realidade dos fatos.”

“Os médicos exerceram sim o seu dever de denúncia num país em que a coragem para provocar o poder instituído é cada vez mais uma raridade. Não se esqueça Senhor Primeiro-Ministro, que o que está em jogo é a vida e a morte de alguns dos mais carenciados de entre todos.”

(…)

“A Ordem dos Médicos e os seus dirigentes pautam a sua atuação por uma permanente defesa da saúde, dos doentes e dos direitos constitucionais à saúde e à proteção da doença. Em estrito respeito pelos princípios éticos da profissão, existentes há milhares de anos.”

“O sucedido em Reguengos de Monsaraz é inaceitável.

Os Lares, como estruturas residenciais para pessoas idosas, portadoras de doenças crónicas e com limites na sua autonomia, estão identificados como locais muito sensíveis às epidemias sazonais. No caso da COVID-19, dada a grave repercussão clínica nos grupos de risco desta pandemia, os utentes dos Lares estão identificados como particularmente vulneráveis e devem ser alvo de proteção especial. E este deve ser um desígnio nacional. Temos todos a obrigação de cuidar melhor de quem contribuiu para construir Portugal, os nossos idosos.

Os médicos construíram o SNS, edificaram as bases do Serviço de Saúde em Portugal, estiveram e estão na linha da frente do combate à pandemia provocada pelo novo coronavírus, e merecem ser respeitados e valorizados pelo Governo de Portugal, tanto mais quando estão a defender a vida dos mais desprotegidos e dos idosos que ajudaram a construir este país.

Mas mais grave é se tudo correr sem que tiremos ilações e mudemos a nossa atitude para corrigir o que não está bem.

A postura de negação e de desresponsabilização, associada à soberba e arrogância, por parte do Dr. José Robalo, é técnica e humanamente inaceitável, preferindo atacar a forma e os autores da auditoria, em detrimento de aproveitar o trabalho e as conclusões para que Reguengos não se repita.

A dimensão da insensibilidade e da incapacidade em perceber o sucedido, demonstrada pela Sr.ª Ministra do Trabalho, da Solidariedade e Segurança Social, é claramente percebida quando o Sr. Primeiro-ministro sente a necessidade de vir a terreiro em sua defesa.

A dimensão da ausência de qualquer comentário da Sr.ª Ministra da Saúde sobre o tema da dimensão clínica na atividade dos lares é igualmente de realçar.

E a fuga do Sr. Primeiro-ministro relativamente ao sucedido, atacando a classe médica é por demais inaceitável. Os médicos continuarão a tratar os seus doentes como sempre o fizeram, na linha da frente como sempre o fizeram, nos momentos mais difíceis e mais agrestes.

A isso nos obriga o nosso Juramento.”

Lisboa, 19 de agosto de 2020

O bastonário da Ordem dos Médicos

O Presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos

 

Este foi uma espécie de inquérito/parecer/defesa dos médicos…

O Primeiro-Ministro afirmou que “a ordem dos médicos não tem competência para realizar auditorias sem que estas lhe sejam diretamente solicitadas… ponto”.

Mas antes do “ponto”, alguém com competência ou conhecimento de facto, terá que alertá-lo para as más, ou para a falta de condições do um Lar… ou eventualmente sobre o comportamento de um médico… -a julgar pelas suas palavras, como parece ter acontecido.

Chegou então a hora de identificar e atribuir culpas e culpados… falhas e faltosos…

Falhou o Governo; o Diretor do Lar que não asseguraram as condições necessárias…

Falhou o médico que supostamente não cumpriu uma ordem (bem ou mal dada!) de um outro médico diretor da ARS…

A conclusão: morreram 16 pessoas!

A verdade é que talvez um número tão elevado de mortes pudesse ter sido evitado se Governo tivesse apostado mais na saúde, os responsáveis pelo Lar o tivessem administrado melhor e os médicos tivessem cumprido rigorosamente o seu papel.

O que, em abono da verdade, não aconteceu!

Agora, mais do que o polémico vídeo com as “ofensivas” palavrinhas do Primeiro-Ministro, que acabaram por despoletar toda esta situação, importa sim analisar o que realmente se passa em todos os outros lares de Portugal e criar condições de apoio social para os nossos idosos para que situações como esta não se voltem a repetir.

Ah!... e que sirva de lição e exemplo para todos os culpados!

Culpados?!

Como sempre, não existem objetivamente culpados!



 Autor: Carlos Silva
 Data: 2020-08-30
 Imagem: Internet
 Obs.:
 Direitos reservados.



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